Ele: “Amor,
sabe o seu Laerte?”
Ela: “Meu
motorista? Que que tem?”
Ele:
“ele... ele morreu... semana passada.”
Ela: “Não!
Que pena... Do que?”
Ele: “Não
sei direito. Acho que foi do coração. Ele andava meio doente, fazia um tempinho.
Já tava meio velhinho, coitado...”
Ela: “Que
notícia triste! Fazia tempo que eu não via ele, coitado... Ele foi meu
motorista dos 14 aos 20 anos... Eu gostava tanto do seu Laerte... Ele tinha uma
paciência comigo. Tinha um jeito engraçado de reclamar quando achava que eu
tava fazendo algo errado: ele contava causos, de uma tal de Julieta, mas claro
que a Julieta era eu... era o jeito dele de me dar conselhos”.
Ele: “a-hã”
Ela: “Ele
falava tanto dessa Julieta que eu fiquei com raiva do nome...”
Ele: “Nome
da minha mãe”
Ela: “É a
única Julieta que eu conheço, mas tá vendo, nem ela gosta do nome, virou dona Julia..”
Ele: “Eu
gosto de Julieta, sei lá..”
Ela: “Mas
que pena... Seu Laerte era uma figura... E quando ele começava a falar do
Botafogo? E da Portela? Seu Laerte ficava
me contando dos ensaios, do samba enredo, com quem que o Fogão ia jogar no
final de semana... Ele contando as estórias dele, todo empolgado e eu
viajando... eu fingia que prestava
atenção e ele falando... achava engraçada a empolgação dele..”
Ele: “Quando
ele levava eu e o teu pai no Maracanã, ele ficava ouvindo o jogo no radinho e comentava
com a gente na volta... Ficava fazendo um monte de perguntas, se tava impedido
mesmo e tal..”
Ela:
“Nossa! E quando meu pai na última hora não pode ir e ele assistiu o jogo com
você? Fiquei uns 6 meses escutando daquele jogo.. Nunca vi o seu Laerte tão
feliz!”.
Ele:
“Botafogo 3x0 Olaria”
Ela: “Ele
gostava mais de você do que de mim... Menos quando a gente começou a namorar...
Ele implicava tanto com você, no começo... Sempre que ele me levava para te
encontrar em algum lugar, ele ficava com caras e bocas.. Depois, com o tempo, foi
mudando... Também, nunca vi ninguém tratar ele tão bem quanto você.”
Ele: “é..”
Ela: “...”
Ele: “Você
sabia que o seu Laerte já foi preso?”
Ela: “Não.
Por quê?”
Ele: “Ele
ficou preso por quase um ano por causa de uma briga de bar.”
Ela:
“Quando isso?”
Ele:”Faz
uns 30, 40 anos, sei lá...”
Ela: “Cada
uma...”
Ele: “Seu
Laerte era motorista de uma mulher estrangeira. Tinha um caso com ela... Acabaram
tendo uma filha juntos. A mulher era rica e voltou para a Alemanha para ter a
filha. Quando voltou com a criança, dizia que o pai tinha ficado na Alemanha.
Seu Laerte era casado, tinha um filho com a mulher. Dormia no emprego durante a
semana e no final de semana voltava para família. Durante a semana, estava
sempre à disposição quando a patroa requisitava seus ‘serviços’...”
Ela: “Isso
tá parecendo Nelson Rodrigues.. A vida como ela é..”
Ele: “Você
não viu nada, ainda... Então... a coisa ficou assim durante muitos anos até o
dia em que o seu Laerte foi preso. Aí, o seu Laerte pediu para a patroa ajudar
a família dele, que ficou meio abandonada”
Ela:
“Vixe!”
Ele: “Ela
fez mais do que isso... Botou a mulher e o filho dentro da casa dela... A
mulher passou a trabalhar de cozinheira e o filho era tratado como se fosse da
família... foi criado junto com a filha da patroa”.
Ela: “E
ai?”
Ele: “Aí o
seu Laerte saiu da prisão. A estrangeira gostava da mulher e do filho do seu
Laerte e manteve a família morando na casa dela. A mulher do seu Laerte logo
viu o que rolava entre eles, mas fazia vista grossa, não ligava em dividir o
marido com a patroa.”
Ela: “Credo...
esse seu Laerte, hein?”
Ele: “Foi
bom enquanto durou... O problema é que o filho e a filha do seu Laerte se
engraçaram e viviam juntos. Como não poderia deixar de ser, rolou muito mais do
que deveria...”
Ela: “Minha
Virgem Maria...”
Ele: “Pois
é... e aí a menina engravidou... e foi aquela comoção geral... primeiro, ele
era pobre, ela era rica”
Ela: “Mas isso
é o de menos... eles eram irmãos!”
Ele: “Meio-irmãos..
mas, então... não teve acordo, maior bafafá... conclusão: seu Laerte ficou
doido com essa história, falava que a criança era filho do cruz credo e que
exigiu que a gravidez fosse encerrada. Combinou isso com a patroa, pegou a
mulher e o filho, saiu pela porta da
casa e nunca mais olhou para trás.”
Ela: “Que
coisa.. Mas não tava na cara que isso ia acontecer?”
Ele: “Pois
é... só que a filha não queria tirar a criança de jeito nenhum. Amava o
namorado, tinha esperança que um dia eles voltariam e queria ter a criança de
todo jeito. A patroa ficou com pena, era mesmo contra o aborto e deixou rolar,
a filha acabou tendo a criança, que no fim, contra tudo e contra todos, acabou
nascendo normal e saudável. “
Ela:
“Parece novela isso.. só falta no fim, depois de muitos anos, eles se
reencontrarem e serem felizes para sempre”
Ele: “Se
fosse novela, acho que isso é o que aconteceria.”
Ela: “E o
que aconteceu?”
Ele:
“Então, ela não foi atrás, ficou com vergonha, ódio, sei lá... nem ele... Na
verdade, seu Laerte pegou as coisas e veio para o Rio de Janeiro e como eu
disse, nunca mais olhou para trás.”
Ela:
“Espera aí, eu nem sabia que o seu Laerte tinha filho!”
Ele: “Pois
é... ele acabou se envolvendo com quem não deveria, drogas e tal, e acabou
morrendo cedo”
Ela: “Que
trágico.. quanta infelicidade... O filho morre jovem... nem sabe que tem um neto...“
Ele: “É...”
Ela: “Tem
uma coisa que eu não entendi...”
Ele: “O
que?”
Ela: “Se o
seu Laerte pegou as coisas e foi embora, achando que a gravidez seria
interrompida e tal, nunca mais olhou para trás, como é que você sabe de tudo
isso?”