terça-feira, 18 de junho de 2013

Seu Laerte



Ele: “Amor, sabe o seu Laerte?”

Ela: “Meu motorista? Que que tem?”

Ele: “ele... ele morreu... semana passada.”

Ela: “Não! Que pena... Do que?”

Ele: “Não sei direito. Acho que foi do coração. Ele andava meio doente, fazia um tempinho. Já tava meio velhinho, coitado...”

Ela: “Que notícia triste! Fazia tempo que eu não via ele, coitado... Ele foi meu motorista dos 14 aos 20 anos... Eu gostava tanto do seu Laerte... Ele tinha uma paciência comigo. Tinha um jeito engraçado de reclamar quando achava que eu tava fazendo algo errado: ele contava causos, de uma tal de Julieta, mas claro que a Julieta era eu... era o jeito dele de me dar conselhos”.

Ele: “a-hã”

Ela: “Ele falava tanto dessa Julieta que eu fiquei com raiva do nome...”

Ele: “Nome da minha mãe”

Ela: “É a única Julieta que eu conheço, mas tá vendo, nem ela gosta do nome, virou dona Julia..”

Ele: “Eu gosto de Julieta, sei lá..”

Ela: “Mas que pena... Seu Laerte era uma figura... E quando ele começava a falar do Botafogo?  E da Portela? Seu Laerte ficava me contando dos ensaios, do samba enredo, com quem que o Fogão ia jogar no final de semana... Ele contando as estórias dele, todo empolgado e eu viajando... eu fingia que prestava  atenção e ele falando... achava engraçada a empolgação dele..”

Ele: “Quando ele levava eu e o teu pai no Maracanã, ele ficava ouvindo o jogo no radinho e comentava com a gente na volta... Ficava fazendo um monte de perguntas, se tava impedido mesmo e tal..”

Ela: “Nossa! E quando meu pai na última hora não pode ir e ele assistiu o jogo com você? Fiquei uns 6 meses escutando daquele jogo.. Nunca vi o seu Laerte tão feliz!”.

Ele: “Botafogo 3x0 Olaria”

Ela: “Ele gostava mais de você do que de mim... Menos quando a gente começou a namorar... Ele implicava tanto com você, no começo... Sempre que ele me levava para te encontrar em algum lugar, ele ficava com caras e bocas.. Depois, com o tempo, foi mudando... Também, nunca vi ninguém tratar ele tão bem quanto você.”

Ele: “é..”

Ela: “...”

Ele: “Você sabia que o seu Laerte já foi preso?”

Ela: “Não. Por quê?”

Ele: “Ele ficou preso por quase um ano por causa de uma briga de bar.”

Ela: “Quando isso?”

Ele:”Faz uns 30, 40 anos, sei lá...”

Ela: “Cada uma...”

Ele: “Seu Laerte era motorista de uma mulher estrangeira. Tinha um caso com ela... Acabaram tendo uma filha juntos. A mulher era rica e voltou para a Alemanha para ter a filha. Quando voltou com a criança, dizia que o pai tinha ficado na Alemanha. Seu Laerte era casado, tinha um filho com a mulher. Dormia no emprego durante a semana e no final de semana voltava para família. Durante a semana, estava sempre à disposição quando a patroa requisitava seus ‘serviços’...”

Ela: “Isso tá parecendo Nelson Rodrigues.. A vida como ela é..”

Ele: “Você não viu nada, ainda... Então... a coisa ficou assim durante muitos anos até o dia em que o seu Laerte foi preso. Aí, o seu Laerte pediu para a patroa ajudar a família dele, que ficou meio abandonada”

Ela: “Vixe!”

Ele: “Ela fez mais do que isso... Botou a mulher e o filho dentro da casa dela... A mulher passou a trabalhar de cozinheira e o filho era tratado como se fosse da família... foi criado junto com a filha da patroa”.

Ela: “E ai?”

Ele: “Aí o seu Laerte saiu da prisão. A estrangeira gostava da mulher e do filho do seu Laerte e manteve a família morando na casa dela. A mulher do seu Laerte logo viu o que rolava entre eles, mas fazia vista grossa, não ligava em dividir o marido com a patroa.”

Ela: “Credo... esse seu Laerte, hein?”

Ele: “Foi bom enquanto durou... O problema é que o filho e a filha do seu Laerte se engraçaram e viviam juntos. Como não poderia deixar de ser, rolou muito mais do que deveria...”

Ela: “Minha Virgem Maria...”

Ele: “Pois é... e aí a menina engravidou... e foi aquela comoção geral... primeiro, ele era pobre, ela era rica”

Ela: “Mas isso é o de menos... eles eram irmãos!”

Ele: “Meio-irmãos.. mas, então... não teve acordo, maior bafafá... conclusão: seu Laerte ficou doido com essa história, falava que a criança era filho do cruz credo e que exigiu que a gravidez fosse encerrada. Combinou isso com a patroa, pegou a mulher e o filho,  saiu pela porta da casa e nunca mais olhou para trás.”

Ela: “Que coisa.. Mas não tava na cara que isso ia acontecer?”

Ele: “Pois é... só que a filha não queria tirar a criança de jeito nenhum. Amava o namorado, tinha esperança que um dia eles voltariam e queria ter a criança de todo jeito. A patroa ficou com pena, era mesmo contra o aborto e deixou rolar, a filha acabou tendo a criança, que no fim, contra tudo e contra todos, acabou nascendo normal e saudável. “

Ela: “Parece novela isso.. só falta no fim, depois de muitos anos, eles se reencontrarem e serem felizes para sempre”

Ele: “Se fosse novela, acho que isso é o que aconteceria.”

Ela: “E o que aconteceu?”

Ele: “Então, ela não foi atrás, ficou com vergonha, ódio, sei lá... nem ele... Na verdade, seu Laerte pegou as coisas e veio para o Rio de Janeiro e como eu disse, nunca mais olhou para trás.”

Ela: “Espera aí, eu nem sabia que o seu Laerte tinha filho!”

Ele: “Pois é... ele acabou se envolvendo com quem não deveria, drogas e tal, e acabou morrendo cedo”

Ela: “Que trágico.. quanta infelicidade... O filho morre jovem... nem sabe que tem um neto...“

Ele: “É...”

Ela: “Tem uma coisa que eu não entendi...”

Ele: “O que?”

Ela: “Se o seu Laerte pegou as coisas e foi embora, achando que a gravidez seria interrompida e tal, nunca mais olhou para trás, como é que você sabe de tudo isso?”